O Primeiro Comando da Capital
(PCC), fundado em 1993 por presos recolhidos na Casa de Custódia de Taubaté,
tinha um estatuto, documento com as regras que deviam ser seguidas por seus
integrantes, que incluía a condenação à morte. O estatuto colocava a
necessidade de união e organização para evitar a ocorrência de um novo massacre.
Logo, a facção se espalhou e passou a controlar os presídios de São Paulo.
A Polícia Militar criou, em 2001,
um grupo chamado de Gradi (Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de
Intolerância), apesar do nome, na prática procuravam aliciar presos para a
tarefa de informantes dentro do sistema penitenciário e infiltração, em troca
de benefícios.
“Segundo o
jornal Folha de S. Paulo, de 28 de julho de 2002, surgiu dentro da Polícia
Militar um grupo de justiceiros, conforme escreveram os jornalistas Alessandro
Silva e Gilmar Penteado. Eles passaram a recrutar presos condenados para se
infiltrarem no PCC e, a partir do que eles lhes passavam, executavam as ações.
A reportagem associava esse grupo ao antigo Esquadrão da Morte (um instrumento
da época da repressão, cujo objetivo era simplesmente a execução de presos e
pessoas que interessavam). [...]
O que se fazia
era retirar o preso da prisão e ordenar a ele, em troca de benefícios, que
provocassem uma ação criminosa para atrair membros do PCC que estivessem fora
do âmbito do sistema prisional. A questão é que nenhum desses presos
sobrevivia, todos que foram levados até essas ações invariavelmente morriam em
confronto com os policiais.” (Christino e Tognolli, 2017)
A maior e a mais letal ação do Gradi ocorreu em 5 de março
de 2002. É narrada no livro ‘Laços de sangue: a história secreta do PCC’
(2017), de autoria de Marcio Sergio Christino e Claudio Tognolli:
Em 25 de
fevereiro de 2002, os detentos conhecidos como Marcos e Gilmar foram soltos por
ordem judicial, como os outros anteriormente, para efetuar a diligência com
dois policiais militares disfarçados. Novamente contataram membros do PCC, mas,
dessa vez, não era um resgate ou compra de armas que supostamente fariam. A
ideia era realizar um roubo contra um avião que transportaria malotes de
dinheiro, um “avião pagador”. A informação que tinham era de que esse avião
levaria cerca de R$ 28 milhões em notas e pousaria num aeroporto de Sorocaba.
Marcaram uma
reunião em um shopping e foi decidido que haveria uma checagem do local
previamente, realizada por um grupo composto pelos policiais disfarçados, três
integrantes do PCC e os dois infiltrados.
De fato, o
grupo realizou a inspeção do local e da vizinhança. Fizeram o mapeamento,
traçaram a rota de fuga e todo o planejamento, levando-se em conta, inclusive,
o número de pessoas que poderiam estar presentes na escolta do tal avião.
Usariam duas pickups e um ônibus para transportar o grupo todo − no fim
chamaram mais integrantes da facção para ajudar.
Os policiais
militares foram à frente do pequeno comboio dirigindo uma Parati. Oito homens
do PCC ocupavam o ônibus que estampava o prefixo 157 − número do artigo do
Código Penal que faz referência ao crime de roubo −, dois membros do PCC
ocupavam uma pickup D20 e mais outros dois membros, uma pickup Ranger. O ponto
de partida foi na cidade de Itaquaquecetuba, e eles saíram por volta de 5h30 da
manhã em direção a Sorocaba.
Pelo rádio, os
policiais da Parati comunicavam toda a movimentação do grupo à PM. Uma hora
depois, às 6h30, o comboio passou a ser seguido por PMs, que ocupavam carros de
passeio. O comboio seguiu até o pedágio da Rodovia José Ermírio de Moraes,
conhecida como Castelinho. Ali foi montado um bloqueio com cerca de cem
policiais militares. Ao chegar à praça do pedágio, a Parati com os PMs
disfarçados passou. Em seguida o pedágio foi fechado e as viaturas da PM
cercaram o ônibus e as pickups. Instaurou-se um tiroteio que resultou na morte
de todos os membros do PCC e dos informantes infiltrados. Nenhum policial foi
ferido.
Quando esse
fato foi divulgado, muitos desconfiaram das condições desse confronto. Isso
porque, geralmente, quando um criminoso se vê completamente cercado,
dificilmente vai para o confronto, porque sabe que o risco de morte é alto.
Normalmente, nesse tipo de situação ele se entrega.
Assim como
aconteceu em Piracicaba [outra ação do Gradi que resultou em mortes], todas as
fitas das câmeras de segurança do pedágio foram apreendidas e sumiram.
Apurou-se depois também que esse avião pagador nunca existiu, até porque esse
tipo de transporte de valores tinha deixado de circular havia muito tempo.
A ação foi
denunciada à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
(OEA), porém todos os policiais que estavam no processo foram absolvidos.
Reconheceu-se judicialmente a legítima defesa e estrito cumprimento do dever
legal, ou seja, a ação foi e é considerada lícita.
Em abril de
2002, devido principalmente à repercussão da ação de Sorocaba, o Gradi foi
extinto, ou seja, não gerou a “eficiência” que se esperava, que não era
investigar e desbaratar a facção, mas sim eliminar criminosos e vingar
policiais abatidos − e se as ações do Gradi foram criminosas ou não, cabe ao
Judiciário determinar. É certo também que essas ações do Gradi, midiáticas,
acabaram servindo paliativamente de resposta do Estado ao PCC.
No dia
seguinte à ação da Castelinho houve uma cerimônia em memória ao ex-governador
Mário Covas, falecido cerca de um ano antes, e o sucesso da empreitada foi
comemorado como uma grande vitória do governo contra o crime organizado. Ou
seja, a história que foi vendida para a mídia foi a deque o governo estava
vencendo a guerra contra o crime organizado, que tinham conseguido abater
membros ligados à liderança do PCC e que a organização estava combalida e em
fuga.
Nada disso
realmente estava ocorrendo, uma vez que os líderes da facção estavam seguros
nos presídios e os membros assassinados seriam facilmente substituídos,
considerando o tamanho e a influência do movimento no sistema prisional. Assim,
a efetividade das ações do Gradi foi praticamente nula.” (Christino e Tognolli,
2017)
A Corte Interamericana de
Direitos Humanos julgou o caso “Operação Castelinho”, no dia 14 de março de
2024. A denuncia inicial partiu da Fundação Hélio Bicudo, e foi assumida pela Defensoria
Pública de São Paulo. No julgamento ocorrido na Costa Rica, a Corte
responsabilizou o Estado brasileiro. O relatório da Comissão afirma:
"Considerando
as regras aplicáveis sobre o ônus da prova, a Comissão concluiu que o Estado
não demonstrou que a operação foi planejada de modo adequado e de acordo com um
arcabouço jurídico compatível com o uso da força. Tampouco comprovou que o pessoal
que participou da operação estivesse capacitado e treinado conforme os
parâmetros exigidos pelo direito internacional. Além disso, a Comissão observou
que os indícios que apontam para um uso desproporcional da força não foram
suficientemente contestados pelo Estado, que não ofereceu uma justificação
adequada" (G1 SP, 14/03/2024)
Sentença. Caso Honorato e outros X Brasil: “O Estado é
responsável pela execução extrajudicial de 12 pessoas na “Operação Castelinho”
em São Paulo.” No relatório, a Comissão concluiu que o Estado brasileiro foi
responsável pela violação dos seguintes direitos: direito à vida, direito à
integridade pessoal, garantias judiciais e proteção judicial.
Bibliografia
Christino, Marcio Sergio e Tognolli, Claudio. Laços de
sangue: a história secreta do PCC. São Paulo: Matrix, 2017
G1 SP. 'Caso Castelinho': Corte Interamericana de
Direitos Humanos condena o Brasil pelo assassinato de 12 pessoas em ação da PM.
São Paulo: Portal G1, 14/03/2024. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/03/14/caso-castelinho-corte-interamericana-de-direitos-humanos-condena-estado-de-sp-pelo-assassinato-de-12-pessoas-em-acao-da-pm.ghtml.
Acesso em: 14 mar. 2024.
O governador, a censura e “a raça em extinção”. Disponível
em: https://apublica.org/2020/01/o-governador-a-censura-e-a-raca-em-extincao/
Souza, Fátima. PCC, a facção. São Paulo: Record,
2007.