quinta-feira, 14 de março de 2024

Operação Castelinho (2002): ônibus partiu de Itaquaquecetuba

 O Primeiro Comando da Capital (PCC), fundado em 1993 por presos recolhidos na Casa de Custódia de Taubaté, tinha um estatuto, documento com as regras que deviam ser seguidas por seus integrantes, que incluía a condenação à morte. O estatuto colocava a necessidade de união e organização para evitar a ocorrência de um novo massacre. Logo, a facção se espalhou e passou a controlar os presídios de São Paulo.

A Polícia Militar criou, em 2001, um grupo chamado de Gradi (Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância), apesar do nome, na prática procuravam aliciar presos para a tarefa de informantes dentro do sistema penitenciário e infiltração, em troca de benefícios.

“Segundo o jornal Folha de S. Paulo, de 28 de julho de 2002, surgiu dentro da Polícia Militar um grupo de justiceiros, conforme escreveram os jornalistas Alessandro Silva e Gilmar Penteado. Eles passaram a recrutar presos condenados para se infiltrarem no PCC e, a partir do que eles lhes passavam, executavam as ações. A reportagem associava esse grupo ao antigo Esquadrão da Morte (um instrumento da época da repressão, cujo objetivo era simplesmente a execução de presos e pessoas que interessavam). [...]

O que se fazia era retirar o preso da prisão e ordenar a ele, em troca de benefícios, que provocassem uma ação criminosa para atrair membros do PCC que estivessem fora do âmbito do sistema prisional. A questão é que nenhum desses presos sobrevivia, todos que foram levados até essas ações invariavelmente morriam em confronto com os policiais.” (Christino e Tognolli, 2017)

A maior e a mais letal ação do Gradi ocorreu em 5 de março de 2002. É narrada no livro ‘Laços de sangue: a história secreta do PCC’ (2017), de autoria de Marcio Sergio Christino e Claudio Tognolli:

Em 25 de fevereiro de 2002, os detentos conhecidos como Marcos e Gilmar foram soltos por ordem judicial, como os outros anteriormente, para efetuar a diligência com dois policiais militares disfarçados. Novamente contataram membros do PCC, mas, dessa vez, não era um resgate ou compra de armas que supostamente fariam. A ideia era realizar um roubo contra um avião que transportaria malotes de dinheiro, um “avião pagador”. A informação que tinham era de que esse avião levaria cerca de R$ 28 milhões em notas e pousaria num aeroporto de Sorocaba.

Marcaram uma reunião em um shopping e foi decidido que haveria uma checagem do local previamente, realizada por um grupo composto pelos policiais disfarçados, três integrantes do PCC e os dois infiltrados.

De fato, o grupo realizou a inspeção do local e da vizinhança. Fizeram o mapeamento, traçaram a rota de fuga e todo o planejamento, levando-se em conta, inclusive, o número de pessoas que poderiam estar presentes na escolta do tal avião. Usariam duas pickups e um ônibus para transportar o grupo todo − no fim chamaram mais integrantes da facção para ajudar.

Os policiais militares foram à frente do pequeno comboio dirigindo uma Parati. Oito homens do PCC ocupavam o ônibus que estampava o prefixo 157 − número do artigo do Código Penal que faz referência ao crime de roubo −, dois membros do PCC ocupavam uma pickup D20 e mais outros dois membros, uma pickup Ranger. O ponto de partida foi na cidade de Itaquaquecetuba, e eles saíram por volta de 5h30 da manhã em direção a Sorocaba.

Pelo rádio, os policiais da Parati comunicavam toda a movimentação do grupo à PM. Uma hora depois, às 6h30, o comboio passou a ser seguido por PMs, que ocupavam carros de passeio. O comboio seguiu até o pedágio da Rodovia José Ermírio de Moraes, conhecida como Castelinho. Ali foi montado um bloqueio com cerca de cem policiais militares. Ao chegar à praça do pedágio, a Parati com os PMs disfarçados passou. Em seguida o pedágio foi fechado e as viaturas da PM cercaram o ônibus e as pickups. Instaurou-se um tiroteio que resultou na morte de todos os membros do PCC e dos informantes infiltrados. Nenhum policial foi ferido.

Quando esse fato foi divulgado, muitos desconfiaram das condições desse confronto. Isso porque, geralmente, quando um criminoso se vê completamente cercado, dificilmente vai para o confronto, porque sabe que o risco de morte é alto. Normalmente, nesse tipo de situação ele se entrega.

Assim como aconteceu em Piracicaba [outra ação do Gradi que resultou em mortes], todas as fitas das câmeras de segurança do pedágio foram apreendidas e sumiram. Apurou-se depois também que esse avião pagador nunca existiu, até porque esse tipo de transporte de valores tinha deixado de circular havia muito tempo.

A ação foi denunciada à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), porém todos os policiais que estavam no processo foram absolvidos. Reconheceu-se judicialmente a legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal, ou seja, a ação foi e é considerada lícita.

Em abril de 2002, devido principalmente à repercussão da ação de Sorocaba, o Gradi foi extinto, ou seja, não gerou a “eficiência” que se esperava, que não era investigar e desbaratar a facção, mas sim eliminar criminosos e vingar policiais abatidos − e se as ações do Gradi foram criminosas ou não, cabe ao Judiciário determinar. É certo também que essas ações do Gradi, midiáticas, acabaram servindo paliativamente de resposta do Estado ao PCC.

No dia seguinte à ação da Castelinho houve uma cerimônia em memória ao ex-governador Mário Covas, falecido cerca de um ano antes, e o sucesso da empreitada foi comemorado como uma grande vitória do governo contra o crime organizado. Ou seja, a história que foi vendida para a mídia foi a deque o governo estava vencendo a guerra contra o crime organizado, que tinham conseguido abater membros ligados à liderança do PCC e que a organização estava combalida e em fuga.

Nada disso realmente estava ocorrendo, uma vez que os líderes da facção estavam seguros nos presídios e os membros assassinados seriam facilmente substituídos, considerando o tamanho e a influência do movimento no sistema prisional. Assim, a efetividade das ações do Gradi foi praticamente nula.” (Christino e Tognolli, 2017)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso “Operação Castelinho”, no dia 14 de março de 2024. A denuncia inicial partiu da Fundação Hélio Bicudo, e foi assumida pela Defensoria Pública de São Paulo. No julgamento ocorrido na Costa Rica, a Corte responsabilizou o Estado brasileiro. O relatório da Comissão afirma:

"Considerando as regras aplicáveis sobre o ônus da prova, a Comissão concluiu que o Estado não demonstrou que a operação foi planejada de modo adequado e de acordo com um arcabouço jurídico compatível com o uso da força. Tampouco comprovou que o pessoal que participou da operação estivesse capacitado e treinado conforme os parâmetros exigidos pelo direito internacional. Além disso, a Comissão observou que os indícios que apontam para um uso desproporcional da força não foram suficientemente contestados pelo Estado, que não ofereceu uma justificação adequada" (G1 SP, 14/03/2024)

Sentença. Caso Honorato e outros X Brasil: “O Estado é responsável pela execução extrajudicial de 12 pessoas na “Operação Castelinho” em São Paulo.” No relatório, a Comissão concluiu que o Estado brasileiro foi responsável pela violação dos seguintes direitos: direito à vida, direito à integridade pessoal, garantias judiciais e proteção judicial.

Bibliografia

Christino, Marcio Sergio e Tognolli, Claudio. Laços de sangue: a história secreta do PCC. São Paulo: Matrix, 2017

G1 SP. 'Caso Castelinho': Corte Interamericana de Direitos Humanos condena o Brasil pelo assassinato de 12 pessoas em ação da PM. São Paulo: Portal G1, 14/03/2024. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/03/14/caso-castelinho-corte-interamericana-de-direitos-humanos-condena-estado-de-sp-pelo-assassinato-de-12-pessoas-em-acao-da-pm.ghtml. Acesso em: 14 mar. 2024.

O governador, a censura e “a raça em extinção”. Disponível em: https://apublica.org/2020/01/o-governador-a-censura-e-a-raca-em-extincao/

Souza, Fátima. PCC, a facção. São Paulo: Record, 2007.

sábado, 9 de julho de 2022

9 de Julho

9 de Junho é feriado no estado de São Paulo em homenagem ao movimento que entrou para a história com o nome de “Revolução Constitucionalista de 1932”. O ex-prefeito de Itaquaquecetuba Gentil de Moraes Passos foi veterano de 32.

Gentil de Moraes passos com o uniforme

  Reproduzo abaixo o e-mail que recebi de Vitória Marfil Nardes, bisneta de Gentil:

Segue algumas fotos que minha avó Elisa Passos Marfil, filha do Gentil, mandou. Tem fotos dele com a minha bisavó Amélia de Almeida Pinto. Foto dele fardado para a revolução constitucionalista de 1932 o qual foi confederado. E do brasão que ele ajudou de Itaquaquecetuba, com uma escola em sua homenagem. Fiquei muito feliz mesmo com a matéria. As fotos não tem tanta qualidade, pois são muito antigas e minha avó com seus 85 anos não tem tanta aptidão com o celular rs.”

Amélia de Almeida Pinto e Gentil de Moraes Passos

  Havia em Itaquaquecetuba um monumento Constitucionalista erguido no alto da Ladeira da Liberdade, que liga a Praça Padre João Álvares com a Ponte sobre o Rio Tietê (Ponte Sinhá Moça). O monumento foi transferido e ficava ao lado do Coreto em forma de cogumelo construído na Praça durante a administração de Gentil, e infelizmente demolido junto com o Coreto.

Monumento Constitucionalista no alto da Ladeira

Sobre o monumento Constitucionalista e e Movimento de 1932:

https://historiasdeitaquaquecetuba.blogspot.com/2014/07/monumento-constitucionalista.html

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Jornal Tribuna de Itaquá

 O jornal “Tribuna de Itaquá” é parte da história de Itaquaquecetuba, da qual colaborou registrando fatos, opiniões e personagens. Foi fundado pelo jornalista, advogado, vereador e professor Emelson Martins Pereira. Lhe enviei uma pergunta sobre o arquivo do jornal e recebi um depoimento, que reproduzo abaixo. Ilustro a postagem com uma parte da primeira página da edição nº 424, ano XI, de 26 de abril de 1986 (redação, administração e oficinas - Avenida Italo Adami, 45), que registra a depredação de um ônibus coletivo da Viação Itaquaquecetuba, no Jardim Caiuby.

“Meu amigo Claudio Sousa: Meus cumprimentos e parabéns por ter criado a página Histórias de Itaquaquecetuba. Você, com sua cultura extraordinária sempre foi um exemplo de dedicação ao desenvolvimento da cidade. Quanto aos jornais, só tenho um exemplar de 1995 do Diário de Itaquá. Tenho todos os exemplares de 2009 a 2013, quando retornei com o jornal, porém em edições mensais. Infelizmente não deu para recuperar os jornais da Tribuna de Itaquá e o Diário de Itaquá, do período de 1974 a 2000, porque, quando vendemos o prédio e os maquinários gráficos, tivemos que transportar tudo para um galpão no Jardim Adriane. Estávamos para digitalizar todos os jornais. Porém, um temporal destruiu o telhado do galpão e só ficamos sabendo alguns dias depois e lá se foi, destruído pelas águas, nosso arquivo imenso, de 27 anos jornais. 

Acabei de escrever um livro que está prestes a ser publicado em que registro algumas lembranças e artigos dos jornais sobre o período de 1974 a 2000, nas administrações dos prefeitos Pedro da Cunha (72 a76), Gibi (77 a 82), Gumercindo (83 a 88), Toninho da Pamonha (89 a 90), Valdir da Siva (90 a 92), Bill (93 a 96) e Toninho da Pamonha (97 a 2000). A cidade tinha 30 mil moradores quando o jornal foi criado e menos de 15 mil eleitores. Ainda não existia o Parque Marengo, o Recanto Mônica, tampouco a Vila Celeste, a Terra Prometida, ou seja a cidade contava com menos de 20 bairros e vilas. Hoje contamos com mais de 200 bairros e vilas. 

Escrevo também sobre a evolução de jornal, que foi adquirindo aos poucos sua impressora semiautomática, suas linotipos, máquina de fotolito, sua impressora rotoplana e enfim, nos anos 92 e 93 a sua impressora off-set, sua maquina de gravação de chapas para impressão off-set e dezenas de computadores, entrando assim na era da informatização. No período de 1974 a 2000 abordo as obras dos prefeitos nas áreas de industrialização, educação (criação de escolas de 1º e 2º graus, de escolas infantis, creches), saúde (postos de saúde), urbanização central da cidade, asfaltamento de ruas nos bairros, criação de entidades de bairros, transportes públicos, asfaltamento de estradas, etc. etc. Não sei se há alguns exemplares da Tribuna e do Diário de Itaquá na Biblioteca da cidade. Você poderia pesquisar.

Pode ser que exista algum jornal da Tribuna em arquivo digitalizado da Prefeitura de Itaquá, porque publicávamos todos os atos oficiais do município, entre 1977 a 1994. Estou tentando pesquisar também junto ao ARQUIVO DO ESTADO sobre alguma coisa da Tribuna e do Diário de Itaquá, pois enviávamos regularmente todos os exemplares publicados para lá, para a Assembleia Legislativa e ao Palácio Bandeirantes. Acompanhei muito de perto, pessoalmente, o crescimento da cidade, pois lecionei na Escola Italo Adami, no período de 1971 a 1988 e na E.E. Fernando Milano, entre 1988 a 1992. Fui advogado na cidade entre 1988 a 2000 e vereador no mandato de 1989 a 1992 e, finalmente Assessor de Imprensa da Prefeitura, entre 1993 a 1995. Trabalhei como Coordenador de Educação na Fundação Casa, em Itaquá, entre 2003 a 2007.

Sucesso! 

Felicidades!"

sábado, 28 de agosto de 2021

Obeliscos da Vila Monte Belo

 O bairro Vila Monte Belo foi loteado em 1922, em terras do antigo bairro do Pinheiro, que no século XIX fazia parte do Primero Quarteirão da Freguesia de Itaquaquecetuba. Os loteadores Carlos J. Burger e Ernesto Calandra, em 1925 apresentaram uma solicitação para que a estação da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) recebesse a denominação de “Montebello”. O pedido foi indeferido e a estação recebeu o nome de Engenheiro Manoel Feio.

Os obeliscos do km 30 indicam um marco rodoviário. O trecho até Jacareí da Estrada São Paulo - Rio foi inaugurado em 14 de outubro de 1922. Um dos obeliscos, em formato de pirâmide, foi construído como um monumento em homenagem à abertura da estrada. O “monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado”, de acordo com Lacques Le Gof, como “uma obra comemorativa de arquitetura ou de escultura”. 

Obeliscos Vila Monte Belo (Foto: Cláudio Sousa)

O outro obelisco, revestido por pastilhas num tom de amarelo, cujas placas foram arrancadas, provavelmente deve ser de 1928, quando foi inaugurada a Estrada ligando São Paulo ao Rio de Janeiro. Até a abertura da Rodovia Presidente Dutra, em 1951, a ligação entre São Paulo e o Rio de Janeiro passava por Itaquaquecetuba

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Há 10 anos explodia o “Lixão de Itaquá”

Um desmoronamento estimado em 450 mil toneladas de lixo no Aterro Sanitário administrado pela Empreiteira Pajoan, situado no município de Itaquaquecetuba, ocorrido em 25 de abril de 2011, provocou um dos maiores desastres ambientais no município. A explosão foi ouvida a quilômetros de distância. 

Um ano depois, 2012, caminhões da empresa continuavam despejando lixo no aterro, desrespeitando a interdição do local (Notícias de Poá 26/05/2012). Na ocasião a prefeitura bloqueou o acesso em cumprimento de decisão liminar da Justiça. Porém a empresa vencedora da licitação do serviço de coleta de lixo foi a Eco Espaço, do grupo Pajoan. 

Em 2010, uma Audiência Pública para discutir a ampliação do Aterro Pajoan foi marcada para 25 de fevereiro. Organizada pelo COSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente) com previsão de 5 horas de duração, iniciando às 17 horas no Parque Ecológico de Itaquaquecetuba.

Com o título “Empreiteira intimida manifestantes”, o Diário do Alto Tietê relatou que “Cerca de 200 funcionários e pessoas ligadas à empreiteira fizeram de tudo para intimidar, encurralar e colocar para fora do local da audiência cerca de 80 pessoas que residem em bairros próximos do aterro (...) sem argumentos, uniformizados e bem preparados, chegaram a gritar ‘fica lixão’, na tentativa de abafar os encurralados moradores que mesmo em menor número em nenhum momento deixaram de pedir ‘fora lixão’”. A empresa contava com a presença de 30 seguranças na Audiência Pública marcada para ocorrer no Parque Ecológico de Itaquaquecetuba. Enquanto isso, de acordo com o jornal, o empresário Carlos Cardoso “fingia que nada estava acontecendo”; o outro sócio e irmão presente era José Cardoso (Zé Cardoso, o “Rei do Lixo”), homem forte no PSDB de Suzano. O governador na época era Geraldo Alckmin, também do PSDB. Uma moradora afirmou: “sabemos que esse pessoal todo deve ter sido comprado e por isso tinham de fazer isso mesmo. Nós estamos aqui porque sabemos dos danos que esse aterro causa a população. Não dá para acreditar num aterro melhor. Ele precisa ser fechado de uma vez” (DAT 26/02/2010). Esses moradores não podiam prever, mas sabiam dos danos ambientais e na saúde da pipulação que o “Lixão de Itaquá” provocava. Algo estava para acontecer daí a exatamente dois meses.

Atendendo a solicitação protocolada pela subseção Itaquá da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) por mandado de segurança, às 16h06 a Justiça determinou a suspensão da audiência. No despacho a juíza citou “o não cumprimento do prazo legal de 20 dias da convocação e a dificuldade de acesso ao Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima)”.

Em 5 de agosto de 2009 a CETESB interditou o Aterro Sanitário Pajoan. O motivo foi a falte de condições adequadas de segurança. Havia o risco potencial de deslizamento ou desabamento. O funcionamento do aterro, que recebia 2 mil toneladas diárias de lixo, era mantido por intervenção judicial. A CETESB levou em conta dados de monitoramento e parecer técnico do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) que apontavam problemas de estabilidade.

A CETESB afirmou na nota de interdição que a “Empreiteira Pajoan Ltda. tem um longo histórico de infrações ambientais. A primeira multa ocorreu em 17/05/2001 (...) Até 20/07/2009, foram aplicadas 78 penalidades no total de 215.314 UFESPs – Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, que em valores atuais somam mais de 3 milhões de reais.” (CETESB 5/08/2009). E ainda indicava o seu encerramento definitivo.

Em janeiro de 2001 a Pajoan assumiu a gestão do aterro. Até então o Aterro Sanitário de Itaquaquecetuba pertencia ao CIPAS (Consórcio Intermunicipal para Aterros Sanitários) e só recebia lixo dos municípios do consócio (Itaquaquecetuba, Ferraz de Vasconcelos, Poá, Suzano, Santa Isabel e Arujá). A multa de maio foi por receber lixo de Carapicuíba. Em 2004 saiu a primeira decisão judicial suspendendo as atividades do aterro iniciando a judicialização que suspendia e depois liberava o funcionamento.


Um deslizamento, em 14 de março de 2000, atingiu dois barracos e uma casa não deixando feridos. A Cetesb aplicou uma multa de R$ 92.700 ao CIPAS, além de exigir medidas para garantir a estabilidade estrutural, contenção e os destino adequados dos líquidos gerados, o chorume (FSP 15/03/2000).

O desastre ambiental e a sua repercussão levou a criação, em 03/02/2014, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Assembleia Legislativa de São Paulo, “com a finalidade de investigar as causas e apurar as responsabilidades pelo desmoronamento de 450 mil toneladas de lixo do Aterro Pajoan, em Itaquaquecetuba”. Entre os seus integrantes estava a deputada estadual Heroilma Soares de Tavares (PTB), ex-esposa e apoiada pelo ex-prefeito Armando do Tavares Filho, “um defensor da manutenção e ampliação do aterro” (Jornal Popular 14 a 20/06/2014). Porém a CPI foi extinta sem a conclusão dos trabalhos (Despacho do Presidente publicado no D.A.L. de 31/10/2014, p. 20). A maioria dos deputados não compareceu às reuniões e a CPI não apurou nem responsabilizou ninguém.


Entre os anos de 2001 e 2011 a Pajoan foi autuada por 91 vezes, entre multas e notificações, por infração as normas ambientais. Um processo continua correndo na Justiça (Processo nº 0005509-25.1998.8.26.0278).

Cláudio Sousa

Bibliografia:

Diário do Alto Tietê

Folha de São Paulo

Jornal Popular

Notícias de Poá

https://www.cetesb.sp.gov.br

http://wikimapia.org

sábado, 3 de abril de 2021

Suzano já pertenceu a Itaquaquecetuba

 Suzano tornou-se município em 1948, mas comemora o seu aniversário no dia 2 de abril, data da posse da primeira Câmara de Vereadores e do primeiro Prefeito eleitos, em 1949. Em 1919 a povoação de Guaió, estação de Suzano, conquistou a criação do Distrito de Paz de Suzano, município de Mogi das Cruzes. A comissão que analisou a representação até levantou a questão sobre qual nome seria utilizado: Suzano ou Guayó?

Estação de Suzano em 1915

A estação ferroviária de Piedade foi inaugurada em 2 de junho de 1890, entre as estação do Lageado (atual Guaianases) e Mogi das Cruzes. A hipótese mais provável é que a denominação está relacionada a Capela Nossa Senhora da Piedade de Baruel, localizada no bairro mais antigo de Suzano. A estação teve o seu nome alterado de Piedade para Guayó a partir de 1º janeiro de 1891, por já existir uma estação com o mesmo nome na Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). Nova mudança e definitiva, em 1907, quando a estação recebeu a denominação de Suzano, em homenagem ao engenheiro de EFCB Joaquim Augusto Suzano Brandão.

Lista de Geral dos moradores da Vila da Mogi das Cruzes 1772 (detalhe)



 Nos antigos Maços de População (Arquivo Histórico Ultramarino, Códice 2102), nome dado ao recenseamento da população da Capitania de São Paulo, encontra-se a lista de habitantes da Fazenda do Senhor Bom Jesus de Baruel, de 1772. A localidade era constituída 29 fogos ou habitações. Entre as atividades listadas estão o cultivo de milho, feijão, algodão e mandioca (para fazer farinha); criação de gado, cavalos e porcos; duas mulheres vivam “de fazer Louça da terra”. Na Capela do Baruel havia indígenas na condição de administração particular, a forma utilizada para burlar as leis que proibiam e escravidão dos indígenas. Uma prática comum era a sujeição de índios à uma capela particular. No assento de batismo de 1772, reconstituído e transcrito a seguir, consta o termo “adminis-“ cuja parte seguinte esta corroída no documento, deduzimos serem Angela e Arcangela, mãe e filha, índias sob administração da Capela do Baruel:

  Aos seis dias do mes Mayo de mil settecentos e secenta e nove annos nesta Matris de Santa Anna de Mogy das Cruzes baptizey e pus os santos oleos a Alexandre filho de Angela Solteira filha de Arcangela adminis[tradas?] do Senhor Bom JESUS do Baruel, de pay incognito Padrinhos [corroído] Pereira casado com Francisca Fernandes de Oliveira e [ilegível] Machada viúva de Joaquim [ilegível], freguezes de Sam Paulo e os mais desta Freguezia. O Coadjutor Antonio Xavier de Sales (Batismos Mogi das Cruzes,  familysearch.com)

Durante o período da Regência, em 16 de março de 1832 o Conselho de Estado do Governo Regencial aprovou uma “resolução do Conselho Geral da Província de São Paulo pela qual se suprimem as paróquias criadas nas Aldeias dos Índios” ou antigos aldeamentos indígenas de Pinheiros, Mboy (atual Embu das Artes), São Miguel, Itaquaquecetuba, Escada (atual Guararema) e Itapecerica. Essas paróquias constituíam freguesias, o equivalente a distritos ou subprefeituras. Essas freguesias teriam sido instituídas entre 1803 e 1805. Possuíam Juiz de Paz e um vigário colado ou encomendado (efetivo ou temporário) remunerado pelo governo provincial.

Destes antigos aldeamentos da província de São Paulo, vários deles estiveram em algum momento, durante o período Colonial, sob a administração dos padres da Companhia de Jesus, os jesuítas. Em alguns deles os jesuítas administraram até a sua expulsão, em 1759, foi o caso de Itaquaquecetuba, MBoy e Itapecerica.

A resolução de 1832, aprovada pelo Conselho de Estado, rebaixava as freguesias à condição de Capela Curada, com a retirada dos padres para outras paróquias. Neste mesmo ano o Bispo ordenou a demarcação das divisas da Capela Curada de Nossa Senhora da Ajuda de Itaquaquecetuba. Foi constituída uma comissão responsável pela demarcação formada por quatro eleitores, eleita pela ordem de votação entre os paroquianos com direito à voto, de acordo com a legislação que regulava as eleições primárias. Reginaldo Cardoso [da Silva?] teve 116 votos, seguido de Ignacio Jozé de Miranda com 112, o Alferes Jozé Antonio da Silva com 88 e João Jozé de Araujo com 81 votos.

Capela do Baruel na década de 1980 (Prefeitura de Suzano)

 A divisa de Itaquaquecetuba com a freguesia de Mogi das Cruzes foi definida, em 1832, no ribeirão Jozé Cardoso, o que incluía os bairros Baruel e Guayó. Ou seja, parte da região que daria origem ao município de Suzano estaria subordinada à Capela de Itaquaquecetuba. Tal fato foi motivo de insatisfação dos moradores de Baruel e do Guayó que peticionaram à Câmara de Mogi das Cruzes, que encaminhou a solicitação de desmembramento ao governo provincial. A questão foi resolvida em 1837, com a retificação da divisa pela Assembleia Provincial de São Paulo, com a mudança da divisa para o rio Guaió, que atualmente é divisa entre os municípios de Poá e Suzano.
Cláudio Soares de Sousa

domingo, 6 de dezembro de 2020

A luta pelo transporte coletivo de Itaquá

 Um grupo de 80 trabalhadores do bairro do Pium, depois de esperar por horas e cansados dos atrasos, se revoltou e obrigou o motorista do ônibus da viação Danúbio Azul a levá-los até a Prefeitura de Itaquaquecetuba, para reclamar (Folha de S. Paulo, 23/07/1982).

Em 1987, um grupo de moradores usuários do transporte coletivo resolveu deixar de reclamar apenas durante as horas de espera e de brigar para entrar no ônibus lotado, tomando a iniciativa de organizar um movimento por transporte coletivo. Em setembro de 1989 foi criada a Comissão de Usuários de Transportes Coletivos de Itaquaquecetuba (a primeira Comissão foi criada em Diadema).


Acidente com ônibus da Júlio Simões 05/07/1996 (Robson Medeiros/Folhapress)

Entre essas pessoas, dezesseis aceitaram o desafio de compor a diretoria da Associação de Usuários de Transportes Coletivos e outros Serviços Públicos de Itaquaquecetuba (AUTI), fundada em 24 de junho de 1990. Entre eles Jorge José de Souza, Edna Regina dos Santos, Sebastião Ferreira dos Santos, Rosângela Soares de Sousa e Luiz Mariano de Souza, militantes das Sociedades Amigos de Bairros (SABs), que lutavam por melhorias nos seus bairros com ruas sem pavimentação e esburacadas, falta de água, escolas insuficientes e ausência de Postos de Saúde.

A concessão do transporte coletivo era da Viação Ferraz. O serviço era ineficiente: poucos ônibus, velhos, caindo aos pedaços, lotados e demorados serviam a população de Itaquaquecetuba. Partindo da estação ferroviária do Manoel Feio as linhas Pium, Marengo e Corredor. Do bairro do Rancho Grande (via estação de Itaquaquecetuba) partiam as linhas Village, Hospital, Louzada e Industrial.

Duas tragédias se destacam. Em 19 de maio de 1990, um ônibus da Viação Ferraz, na linha Pium-Manoel Feio, despencou de um viaduto, no bairro do Pinheirinho, resultando em 26 mortos (Tribuna de Itaquá, 26/05/1990). No mesmo local caiu um ônibus da Júlio Simões, em 5 de julho de 1996, deixando um morto e 11 feridos. Em outubro de 1993, a Júlio Simões (atual CS Brasil) encampou as linhas da Viação Ferraz, cuja concessão foi apenas renovada, sem licitação.

 Uma vitória da Comissão de Usuários foi a inclusão de três artigos na Lei Orgânica do Município (1990): Art. 98 instituía a fiscalização popular no transporte coletivo. Art. 99 reconhecia o direito da comissão de realizar suas reuniões e locais que pertenciam ao poder público. Art. 100 garantia a participação na discussão da tarifa “de acordo com o poder aquisitivo da população”, e acesso às informações sobre a operação, controle e planejamento do sistema de transportes no município. 

Publicação oficial da AUTI. Acervo Claudio Sousa

Apesar da Lei, os governos da época não adotaram a discussão da política tarifária, preferindo seguir a tarifa e os reajustes do município de São Paulo. Em 1994, a AUTI questionou na justiça a conversão para o Real; a tarifa que devia ser de R$ 0,43 foi convertida para R$ 0,50, mas acabou ficando em R$ 0,48. O lucro fácil estava garantido com trajetos curtos e ônibus lotados, em contraste com a dura realidade da população local.

Claudio Sousa é historiador e responsável pela coluna Histórias de Itaquaquecetuba

Texto originalmente publicado na coluna Histórias de Itaquaquecetuba, no Jornal Gazeta Regional, edição 294, agosto de 2019.