domingo, 6 de dezembro de 2020

A luta pelo transporte coletivo de Itaquá

 Um grupo de 80 trabalhadores do bairro do Pium, depois de esperar por horas e cansados dos atrasos, se revoltou e obrigou o motorista do ônibus da viação Danúbio Azul a levá-los até a Prefeitura de Itaquaquecetuba, para reclamar (Folha de S. Paulo, 23/07/1982).

Em 1987, um grupo de moradores usuários do transporte coletivo resolveu deixar de reclamar apenas durante as horas de espera e de brigar para entrar no ônibus lotado, tomando a iniciativa de organizar um movimento por transporte coletivo. Em setembro de 1989 foi criada a Comissão de Usuários de Transportes Coletivos de Itaquaquecetuba (a primeira Comissão foi criada em Diadema).


Acidente com ônibus da Júlio Simões 05/07/1996 (Robson Medeiros/Folhapress)

Entre essas pessoas, dezesseis aceitaram o desafio de compor a diretoria da Associação de Usuários de Transportes Coletivos e outros Serviços Públicos de Itaquaquecetuba (AUTI), fundada em 24 de junho de 1990. Entre eles Jorge José de Souza, Edna Regina dos Santos, Sebastião Ferreira dos Santos, Rosângela Soares de Sousa e Luiz Mariano de Souza, militantes das Sociedades Amigos de Bairros (SABs), que lutavam por melhorias nos seus bairros com ruas sem pavimentação e esburacadas, falta de água, escolas insuficientes e ausência de Postos de Saúde.

A concessão do transporte coletivo era da Viação Ferraz. O serviço era ineficiente: poucos ônibus, velhos, caindo aos pedaços, lotados e demorados serviam a população de Itaquaquecetuba. Partindo da estação ferroviária do Manoel Feio as linhas Pium, Marengo e Corredor. Do bairro do Rancho Grande (via estação de Itaquaquecetuba) partiam as linhas Village, Hospital, Louzada e Industrial.

Duas tragédias se destacam. Em 19 de maio de 1990, um ônibus da Viação Ferraz, na linha Pium-Manoel Feio, despencou de um viaduto, no bairro do Pinheirinho, resultando em 26 mortos (Tribuna de Itaquá, 26/05/1990). No mesmo local caiu um ônibus da Júlio Simões, em 5 de julho de 1996, deixando um morto e 11 feridos. Em outubro de 1993, a Júlio Simões (atual CS Brasil) encampou as linhas da Viação Ferraz, cuja concessão foi apenas renovada, sem licitação.

 Uma vitória da Comissão de Usuários foi a inclusão de três artigos na Lei Orgânica do Município (1990): Art. 98 instituía a fiscalização popular no transporte coletivo. Art. 99 reconhecia o direito da comissão de realizar suas reuniões e locais que pertenciam ao poder público. Art. 100 garantia a participação na discussão da tarifa “de acordo com o poder aquisitivo da população”, e acesso às informações sobre a operação, controle e planejamento do sistema de transportes no município. 

Publicação oficial da AUTI. Acervo Claudio Sousa

Apesar da Lei, os governos da época não adotaram a discussão da política tarifária, preferindo seguir a tarifa e os reajustes do município de São Paulo. Em 1994, a AUTI questionou na justiça a conversão para o Real; a tarifa que devia ser de R$ 0,43 foi convertida para R$ 0,50, mas acabou ficando em R$ 0,48. O lucro fácil estava garantido com trajetos curtos e ônibus lotados, em contraste com a dura realidade da população local.

Claudio Sousa é historiador e responsável pela coluna Histórias de Itaquaquecetuba

Texto originalmente publicado na coluna Histórias de Itaquaquecetuba, no Jornal Gazeta Regional, edição 294, agosto de 2019.

Itaquaquecetuba há 30 anos

 No dia 8 de abril de 1989 uma equipe da TV Cultura de São Paulo visitou a cidade de Itaquaquecetuba para gravar um programa da série “A Cidade faz o Show”. O palco principal foi a Praça Padre João Álvares. Neste dia ensolarado, a praça estava cheia e os repórteres Eliana Costa e Júlio Lerner conversaram com a população e registraram as manifestações da cultura local.

O serviço de Alto Falantes anuncia as atrações. Um raro registro é o da Festa de Santa Cruz na frente de Igreja. Violeiros a frente, seguidos de duas colunas de dançantes, que batem os pés formando dois círculos. O mineiro José Marinho Ferreira apresenta o “Bumba Meu Boi”: “Eu vim aqui pra dar um passeio [em 1948] e fiquei aqui trabalhando.” Os repentistas Bentinho e Agapito cantam “Sou um moleque feliz morando em Itaquá / As festas do mês de abril, todo mundo vai gostar”.

O chafariz é o local da apresentação da Banda Olho D’Água cantando a música “Divindade”. No Coreto em forma de cogumelo (demolido em 2017), a Banda “Régis e seu Regional” apresenta o forró “Chililique”. O escultor chileno Marcelo Navarro de Stefano mostra seus bustos do jogador Pelé, de Tancredo Neves e do caipira, feitos de barro.

O apresentador Júlio Lerner, com o Coreto ao fundo

O programa visita à sede da Fazenda Casa Velha (demolida pela mineradora Itaquareia), uma casa bandeirista do século 18; vemos o escritório e os livros na estante onde trabalhou o cientista americano Charles H. T. Towsend (1863-1944). A Granja do Mandy na época era especializada na criação de perus. São exibidas fotografias e revistas da época de Charles D. Toutain.

O programa cita o parque industrial da cidade, na época formado por cerca de 350 indústrias e 40 mil trabalhadores. Algumas indústrias são visitadas, como a EMIC (Equipamentos de Máquinas de Ensaio) e a 777 Festas e Decorações.

No sítio Araki, localizado na estrada do Perobal, o japonês Katsuya Haraki apresenta a produção de sua estufa de plantas ornamentais: flor de maio, lírio da paz, violeta e singônio; com destaque para o seu laboratório.

O programa entrevistou desde pessoas simples até autoridades, passando por figuras públicas como Ângelo Guglielmo e o prefeito Toninho da Pamonha. O escritor Renato Ignacio da Silva fala sobre a importância da preservação da Amazônia.

Em 1989, o abastecimento de água servia apenas 30% dos bairros, a rede de esgoto era inferior a 10%, não havia Hospital, nem Pronto Socorro, a mortalidade infantil era de 105 mortos por mil nascidos vivos. Havia a crença de que a indústria era a tábua de salvação do município.

A população local é um mosaico da cultura nacional, com migrantes nordestinos e mineiros. A cultura afro-brasileira também marca presença numa grande roda de Capoeira da Associação de Capoeira Poesia dos Libertos, acompanhada de atabaque, pandeiro e berimbau.

No encerramento, um trecho de “O Barbeiro de Sevilha”, da imponente Banda Marcial de Itaquaquecetuba, que já participava de apresentações pelo país e viria ser campeã estadual e nacional. Assista ao programa: Itaquaquecetuba: a cidade faz o show.

 Cláudio Sousa

 Texto originalmente publicado na coluna Histórias de Itaquaquecetuba, no Jornal Gazeta Regional, edição 288, julho de 2019.

Novembro Negro

 O Novembro Negro têm uma grande importância histórica, por simbolizar as lutas do povo negro contra a escravidão, a exploração e o racismo. 20 de novembro é a data da morte de Zumbi, o líder do Quilombo de Palmares. É a luta da memória e da história contra o esquecimento e o silêncio. As marcas do nosso passado escravista se fazem presentes e devem ser superadas com políticas de reparação e a redução das desigualdades sociais.

São Paulo e Itaquaquecetuba têm em seu passado a escravidão de indígenas e de africanos. Os índios obrigados a trabalhar sob o regime de administração particular eram chamados de Negros da Terra, Peças do Sertão ou Negros do Cabelo Corredio. Os africanos escravizados eram os Negros da Costa ou Negros da Guiné.

No distrito de Itaquaquecetuba, no ano de 1832, o Juiz de Paz José Nobre de Moraes informou o total de 2.590 pessoas, divididas em: 1005 brancos, 102 índios, 1366 pardos e pretos livres, 117 pardos e pretos escravizados; distribuídas em 725 fogos (habitações) e 8 quarteirões (que incluía os bairros Guaió e Baruel, atual região de Poá e Suzano). 

Bumba Meu Boi, 1989

A cultura afro-brasileira foi homenageada com a denominação das ruas do loteamento Residencial Fortuna, nas proximidades do Jardim São Paulo, pela Lei nº 1408, promulgada em 13 de maio de 1993, 105 anos após a Abolição da Escravidão: Rua Xangô, Rua Ogum, Rua Oxum, Rua Iemanjá e Rua Cosme e Damião. Porém, no mesmo ano, na antevéspera do dia 20 de Novembro, foi promulgada a Lei nº 1436, de 18 de novembro, que alterou a denominação de quatro das cinco ruas, para: Rua Barra do Una, Rua Boracéia, Rua Barra do Saí e Rua Indaiá. Permanecendo apenas a Rua Cosme e Damião.

José Marinho Ferreira e Júlio Lerner (1989)  

O folguedo do “Bumba Meu Boi”, cujas origens são africanas, indígenas e europeias; teve início, em Itaquaquecetuba, no ano de 1975. Seu organizador foi o mineiro de São João Del Rei, José Marinho Ferreira que aqui fixou residência, em 1948. Disse ter vindo “pra dar um passeio e achei bom e fiquei por aqui trabalhando”. Na época do Carnaval “só tinha o salão da Dona Adélia [Riechelmann], não tinha nada, então se via o pessoal, quem podia entrava, quem não podia, ficava do lado de fora. Então fui em Minas e trouxe o Bumba Meu Boi”. Em 1976 organizou uma Escola de Samba. Marinho morou no bairro Vila Maria Augusta, sendo homenageado com seu nome na escola do bairro, a EMEB José Marinho Ferreira.

Cláudio Sousa

Texto originalmente publicado na coluna Histórias de Itaquaquecetuba, no Jornal Gazeta Regional, edição 307, novembro de 2019.